quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O importante levamos no coração


Muitas vezes, quando estou num sítio que me enche a alma, penso: "hummm... Devia tirar umas fotografias..." E se por acaso tiver levado a máquina, começo a disparar nervosamente para vários sítios para fixar o instante. Tento encontrar o ângulo certo para descrever a emoção do momento, mas fico sempre insatisfeita, nunca é bem aquela fotografia... e sem dar por isso, o momento foi-se. Depois penso: "Se este espaço foi mesmo especial, levo-o guardado em mim." E vou-me embora com um sorriso. Estes pensamentos repetem-se diversas vezes em várias situações da minha vida e tornaram-se mais frequentes depois do meu avô ter sido atropelado e perdido a memória. De que lhe valeram as fotografias que guardou na gaveta? Para ele, aquelas imagens passaram a ser apenas rostos de estranhos que o incomodavam por não os reconhecer. 
Lembro-me de, numa tarde, ter ido lanchar com ele à clínica, onde estava internado. Eram encontros terríveis, desprovidos de qualquer emoção, mas eu, a todo o custo, tentava que houvesse ali uma emoção, um fluxo de sentimentos.  Nesse dia, enquanto comia a sua sandes de fiambre, iniciei um jogo sem que ele se percebesse: "Se a Inês fosse uma fruta, o que seria?", Prontamente respondeu: "Uma tangerina.", "Porquê?", perguntei. "Porque é docinha." Os meus olhos brilharam. "E a avó Nini, se fosse uma fruta o que seria?", "Um pêssego.", Porquê?", "Porque tem a pele macia." Nesse dia regressei a casa com o coração cheio, o meu avô afinal guardava consigo emoções, o puzzle da sua memória estava baralhado mas a essência continuava lá. 
A última vez que a minha avó esteve com o meu avô foi no dia 20 de Dezembro de 2002, quando o foi visitar à clínica. As conversas que tinham eram banais, perguntas e respostas que os mantinham ocupados durante a visita. Naquele dia, quando já se ia embora, olhou para o meu avô e perguntou-lhe: "Sabes que dia é hoje?", sem hesitar, o meu avô respondeu: "É o dia do casamento." E era verdade, naquele dia faziam 55 anos de casado. A minha avó ficou com lágrimas nos olhos, a ligação por breves instantes tinha sido estabelecida. Três dias depois o avô Zé morreu. Mas fosse para onde ele fosse, ia levá-la consigo, o importante guardou no seu coração.

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